domingo, 1 de novembro de 2009

A NOITE DOS VIVOS-MORTOS

Olá.

Hoje não vou responder dúvidas, não vou fazer contagem de seguidores, nem pretendo falar sobre direito. Então, ainda dá tempo de você apertar o "X" ali no cantinho direito da sua janelinha.

Se vai passar desse ponto, faça-o sobre sua conta e risco.

Amanhã comemoraremos o dia dos mortos. (Estou escrevendo este post às 1525 do dia 01/11/2009, caso eu não consiga terminar) É um dia em que muita gente pensa naquelas pessoas que lhe eram queridas e que, por um motivo ou outro, precisaram sair deste plano de existência para curtir a vida que sempre sonharam.

Isso me remeteu a uma assombração que povoa o imaginário do ser humano: os zumbis. São mortos que, por algum motivo, resolvem sair do túmulo para dar uma volta pelo mundo dos vivos. E isso dá medo em muita gente.

Só que existe algo mais assustador do que os mortos-vivos: são os vivos-mortos.

Vou explicar:

O Código Civil em seu artigo 6º, diz que a existência da pessoa natural termina com a morte. Mas aqui no mundo real, é bem diferente...

Esses dias estava conversando via MSN com uma grande amiga, que estava chateada por conta da morte do Sr. Edner, seu pai. Do lado de lá da tela, ela nem imaginava que, muito embora meu pai esteja vivo, eu morria de inveja dela.

O Sr. Edner foi um grande pai. Presente, nunca deixava faltar nada em casa, protegia a menina (filha caçula que era) como os cavaleiros medievais protegiam suas rainhas. Em suma, o Sr. Edner cuidou da minha amiga até o momento em que um câncer o alcançou. E aí, quem cuidou dele foi a minha amiga.

Meu pai se separou da minha mãe quando eu era pequeno, mas não o suficiente para esquecer que ele saiu de casa porque foi morar com a amante. A partir daí, ele passou a querer "desenhar" o meu futuro. Eu queria seguir os passos de meu pai, sendo advogado, mas meu pai me obrigou a fazer um curso que não era compatível com minha personalidade.

Enquanto eu fazia esse curso, meu pai (que mora em outro estado) vinha sempre passar o fim de ano comigo ou então me mandava as passagens para eu ir passar as festas com ele. Dinheiro nunca era problema. Eu pedia e ele me dava. Atenção então (que na verdade, era o mais importante) nunca faltava: meu pai me ligava, mandava e-mail, aceitava ligação a cobrar... Era uma maravilha. Não obstante meu pai morasse a muitos quilômetros de distância, eu nunca senti meu pai tão perto.

Só que houve uma reviravolta: no ano em que eu deveria me formar, eu saí do curso.

No início, meu pai fez aquela de "paizão". Disse que me apoiava e tudo mais. Mas aos poucos fui perdendo meu pai, que aos poucos foi "desenhando" uma nova família, da qual eu não faço mais parte.

Começaram com as festas de fim de ano. Ele simplesmente parou de vir e de me mandar as passagens. O dinheiro, que antigamente ele mandava fácil, ficou escasso, até parar de vir de vez. E a atenção (já disse que é o mais importante?) foi embora ainda mais rápido que o dinheiro: as ligações simplesmente não existiam (até bloquear o telefone para chamadas a cobrar ele bloqueou) e e-mails apenas para mandar arquivos PPS (tenho certeza de que ele esqueceu de me excluir da lista).

Meu "paizão", que tanto dizia que me apoiava, nem pagar a minha faculdade quis. Tive que trabalhar (e muito) para me formar no curso que um dia meu pai fez.

Enquanto isso, meu pai teve outros filhos com a esposa (a mulher que era amante quando ele era casado com minha mãe) e eles tem todo um suporte que nunca antes na história desse país eu havia recebido. Resolveu entrar para a maçonaria e conseguiu novos "irmãos" (nada contra a maçonaria, só não gosto da hipocrisia de um camarada querer arrumar "irmãos" e deixar filhos desamparados por uma questão de escolha de carreira). E assim, com novos filhos e novos irmãos, meu pai simplesmente morreu. Resolveu não fazer mais parte da minha vida e que eu também não faria mais parte da vida dele.

Isso é um vivo-morto: uma pessoa que, embora não tenha morrido na concepção do Art. 6º do nosso Código Civil, resolveu simplesmente não fazer mais parte da nossa vida, tentando, a todo custo, fazer com que com que nós também não façamos parte da vida dela, na busca de criar dois planos de existência distintos, onde ambos vivam separadamente, tal qual o mundo dos vivos e dos mortos.

Esse tipo de assombração é o que mais me assusta.

Quantas pessoas leem esse blog aqui e vivem isso? Quantos moram com seus pais e parece que eles nunca estiveram ali. MORTOS! Quantas mulheres se deitam ao lado de corpos de maridos ausentes, que acham que sua única função é prover o sustento material da casa? MORTOS! Quantas pessoas fazem parte de grupos que deveriam ser seu porto seguro (igrejas, grupos de mútua ajuda, etc) e a pessoa que senta do seu lado não sabe nem que tipo de música você ouve, o que você gosta de comer, se torce pro time A ou B. PIOR. Quantas dessas pessoas que deveriam lhe ajudar fazem tudo para transformar sua vida para pior, fazendo intrigas ou fofoca?

Que nesse próximo dia dos mortos, você possa chorar as saudades de pessoas como o Sr. Edner, que morreu e faz falta até hoje. (pessoas como ele bem que poderiam dar uma de zumbi e sair do túmulo. Mas vamos deixá-lo descansar) Que você não chore a morte de um vivo-morto, como hoje faço.

Este post foi escrito sem revisão posterior e é dedicado a você que, assim como eu, é órfão(ã) de pai vivo, viúvo(a) de esposa viva(ou marido vivo) e afins.

Próximo post voltamos com mais uma dúvida.